7 de dez. de 2016

A arte, ou o desastre na elaboração de projetos!

              Bem quero hoje explanar, com bastante propriedade, sobre o ofício de elaboração de projetos objetivando a alocação de recursos federais. Creio que a minha empresa foi uma das primeiras, se não a primeira, empresa do país a realizar a atividade de alocação de recursos de forma lícita! Comecei esta atividade em 2003 com contratos firmados com entes públicos e recebimentos mensais com envio de notas fiscais, para firmar tais contratos meu contrato social foi completamente adequado à atividade, constando explicitamente nele: consultoria e assessoria em alocação de recursos financeiros Federais, Estaduais e outros.
Até então o que eu havia observado é que existiam no mercado pessoas físicas se aventurando a liberar recursos federais, sem para tanto ter o devido conhecimento técnico que a área exige, resumindo: pessoas que tinham acesso a outras pessoas dentro dos órgãos que liberavam o dinheiro...ou não né! Ou empresas de contabilidade pública, assessoria jurídica, engenharia, arquitetura, representante de equipamentos hospitalares, medicamentos, tudo quanto é finalidade nos contratos sociais, menos a da atividade fim que realizavam. Muitas vezes só cobravam percentuais com antecedência do gestor e posteriormente sumiam (risos)...o mal feito sai caro!
Enfim, apaixonada que sou no planejamento urbano acabei sendo conduzida para esta área, e desde o início tinha comigo algo muito bem definido: não quero atuar como lobista (digo no sentido estigmatizado que esta terminologia adquiriu no Brasil), não quero receber percentuais em cima do êxito (pois a legislação não permite), não quero me enfiar no meio de “rolos”, ou seja, trabalharei de forma lícita e honesta. E assim iniciei as minhas atividades junto a Cenarium Consultoria em 2003.
Neste tempo já vi a legislação mudar inúmeras vezes, a forma de elaborar os projetos e os sistemas diversos instituídos ou extintos, resumindo: nada é uma constante nesta área, e quem atua na mesma tem que estar apto a essas mudanças! De 2008 para cá tivemos o advento do SICONV, o atual sistema do Governo Federal onde são cadastradas as propostas de interesse de entes Municipais, Estaduais e Associações (ONG, OS, OSCIP, Fundações, etc.), é importante salientar que, não é o fato de ter uma proposta ali cadastrada que o recurso será liberado, esta é apenas uma das etapas no processo de liberação de recursos.
Aos que não sabem, a motivação do Governo Federal para a implantação do SICONV não foi dar mais transparência, ou porque o Governo estava muito preocupado com a forma como os recursos eram repassados, mas sim o Acórdão do TCU nº 2066/2006:
"9.1. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que, para possibilitar a transparência que deve ser dada às ações públicas, como forma de viabilizar o controle social e a bem do princípio da publicidade insculpido no art. 37 da Constituição Federal de 1988 c/c o art. 5º, inciso XXXIII, da mesma Carta Magna, no prazo de 180 (cento e oitenta dias), apresente a este Tribunal estudo técnico para implementação de sistema de informática em plataforma web que permita o acompanhamento on-line de todos os convênios e outros instrumentos jurídicos utilizados para transferir recursos federais a outros órgãos/entidades, entes federados e entidades do setor privado, que possa ser acessado por qualquer cidadão via rede mundial de computadores, contendo informações relativas aos instrumentos celebrados, especialmente os dados da entidade convenente, [.....], a execução financeira com as despesas executadas discriminadas analiticamente por fornecedor e formulário destinado à coleta de denúncias;"
E assim tivemos o Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007 que instituiu o SICONV, na prática começamos a lançar as propostas de convênios e contratos de repasse no sistema apenas em 2008, pois a maioria dos Ministérios e seus órgãos, assim como a Caixa Econômica Federal (Mandatária da União em vários processos) tinham verdadeira resistência ao sistema. Em função desta “resistência” a minha empresa adotou a seguinte prática no ano de 2007: lançamos todos os projetos no SICONV de julho em diante e, continuamos enviado as propostas/planos de trabalho impressas aos concedentes, que foi o que eles aprovaram no final das contas, praticamente não adotaram o SICONV. Caso tenham alguma curiosidade sobre essa situação, basta consultarem as propostas de 2007 e 2008 no acesso livre do sistema, quase todas estarão com: Legado SIAFI, ou seja, foi tudo feito no papel e posteriormente, transferiram para o SICONV.
Outra curiosidade sobre o sistema é a questão das prestações de contas e pagamentos, apesar da legislação deixar claro que tudo de todas as transferências voluntárias deveria ser feito via SICONV, os órgãos continuaram relutantes. Exemplificando, a CEF só passou a aceitar as prestações de contas no SICONV a partir de 2013, até então eram encaminhadas por meio físico (impressas) para a mandatária da União, desta forma não era possível aferir em tempo real a execução físico-financeira do contrato de repasse, mas não adiantava ir contra o que exigiam. Já os pagamentos começaram a ser feitos em 2014, se não me engano, o que acontecia antes era apenas o fato de lançarmos no sistema o comprovante do pagamento já feito pela mandatária da união.
Como podem observar o SICONV sofreu “mutações” desde a sua implantação, que visam garantir maior transparência e controle por parte da população, é uma pena que esta por sua vez não se interesse no sistema, pois é uma forma poderosa de acompanhar, controlar e denunciar (se for o caso) os recursos que o seu Município recebe. Quero esclarecer aos possíveis “Doutores SICONV” que por ventura estejam lendo esta publicação, que não me aterei as questões detalhadas do sistema, nem as legislações que alteraram o mesmo, estou apenas explanando de uma forma bem simplicista e rápida, até porque o SICONV É APENAS UMA DAS FERRAMENTAS NA BUSCA DE RECURSOS FEDERAIS.
Mas, voltando a questão da elaboração de projetos, fato é que ao longo desses anos foram desenvolvidos vários sistemas distintos e complementares, os quais a pessoa que realiza a parte técnica de gestão transferências voluntárias de um Município e/ou Estado deve dominar com maestria, pois trabalhará em algum momento neles, cito alguns:
1.    FNDE – SIMEC Módulo PAR;
2.    FNDE – SIMEC Módulo Obras 2.0;
3.    FNDE – SIMEC Módulo Emendas;
4.    FNDE – SIMEC Módulo Proinfância;
5.    FNDE – SIGPC;
6.    FNDE – SIGARP;
7.    FUNASA – SIGA;
8.    FUNASA – SIGOB;
9.    FUNASA – SISCON;
10. Assistência Social  – SUASWEB;
11. Tesouro Nacional – SICONF;
12. FNS – SARGSUS;
13. FNS – SIOPS;
14. FNS – SISMOB;
15. FNS – GERENCIAMENTO DE OBJETOS;
16. FNS – SIGEM;
17. Ministério do Esporte – PST
18. Secretaria de Direitos Humanos SDH/PR – SIGSDH
19. SICONV

A elaboração de projetos vai muito além de saber trabalhar nos sistemas diversos que o Governo Federal tem, é necessário ter uma visão sistêmica de cada processo, ou seja, é necessário no mínimo:
1.    Mapear o PPA do Governo Federal;
2.    Analisar sistematicamente a LDO do Governo Federal;
3.    Mapear a LOA do Governo Federal;
4.    Compatibilizar a LOA Municipal com a LOA Federal;
5.    Saber a hora de instruir o(a)  prefeito(a) a fazer gestão do recurso;
6.    Instruir a forma adequada de fazer essa gestão;
7.    Saber o trâmite do processo dentro do órgão concedente;
8.    Conhecer todos os documentos necessários aprovação do projeto;
9.    Auxiliar no planejamento adequado do objeto, como em seu cronograma;
10. Gerenciar a equipe multidisciplinar envolvida no projeto;
11. Acompanhar a aprovação dos projetos de engenharia dentro dos órgãos, realizando o atendimento de diligências. O comum em caso de obras é que esta fase dure aproximadamente 08 (oito) meses;
12. Instruir o momento de realizar o certame licitatório, sendo necessário as vezes pedir para que esse procedimento seja refeito, uma vez detectada alguma incoerência ou falha;
13. Instruir a gestão necessária para que o recurso seja pago pelo Governo Federal, bem como sua aplicação financeira;
14. Acompanhar a execução do objeto, realizando intervenções quando necessário: boletim de medição errado; execução da obra em endereço diferente do informado ao órgão concedente, etc.;
15. Realizar a prestação de contas(PC) do projeto;
16. Atender diligências de prestação de contas;
17. Entrar com possível defesa administrativa, caso a prestação de contas seja reprovada;
18. Acompanhar até o momento da aprovação final da prestação de contas, orientando ao ente o arquivamento de 10 anos do processo após a aprovação da PC.

E para conseguir cumprir o mínimo listado acima é necessário ter algum conhecimento sobre: administração; direito administrativo; direito constitucional; engenharia; contabilidade; assistência social; planejamento urbano; gestão hospitalar; pedagogia; agronomia; TI; etc.. Por isso é que é tão difícil formar essa mão de obra, pois ela tem que ser sistêmica e especialista ao mesmo tempo, é algo que só se adquire com muita experiência e conhecimentos específicos. Vejo atualmente vários cursos com interfaces bonitinhas e bem trabalhadas no marketing, oferecendo capacitação em elaboração de projetos, são louváveis essas iniciativas, mas creio deveriam informar que ensinarão apenas a mexer em sistemas do governo, que mudam constantemente. É muito complicado uma pessoa assimilar tudo o que é dito nestes cursos, alguns são realmente bons com competentes instrutores, porém, uma semana é um prazo muito curto para tamanho conteúdo. Já conheci diversas pessoas que fizeram esses cursos e não assimilaram absolutamente nada! O pior de tudo é que o(a) prefeito(a) acredita que esta pessoa está capacitada para gerenciar todo esse arcabouço de competências!
Diferente de um funcionário de um órgão do Governo Federal que ao começar a trabalhar na estrutura tem ali outros funcionários departamentalizados, onde cada área trata de um assunto específico, além de servidores mais velhos no cargo/função que o auxiliarão a executar suas novas tarefas, em uma Prefeitura pequena ou média não se encontra essa facilidade.
Em meu escritório demoro aproximadamente 03 (três) anos para formar minha mão de obra na área de projetos, sempre a que tenho mais carinho, justamente por ser tão lento formar uma profissional competente. Ao longo desses anos, já deve ter passado em meu departamento de projetos mais de 20 profissionais, e destas, apenas 03 realmente ficaram plenamente formadas! As demais só conseguiam trabalhar mediante severo monitoramento, em tarefas prontas, é assim que chamo: trabalhavam em “modo automático” (risos), uma vez que tenho todos os procedimentos descritos, bem como modelos de absolutamente tudo o que é solicitado ao longo do processo. E mesmo com monitoramento constante, algumas já quase me fizeram perder algumas fortunas de alguns clientes, toda atenção é pouca nesta área, são muitas minucias em cada procedimento.
Quanto aos desastres provocados pela inexperiência na hora de elaborar um projeto, e posteriormente acompanha-lo, creio que a CGU e o TCU estão repletos destes exemplos, basta acompanharem alguns Acórdãos TCU ou os relatórios da CGU, é realmente algo magnânimo! Confesso que tem algumas coisas que fico me perguntando: como conseguiram essa proeza?
Brincadeiras a parte, é muito importante que o(a) Prefeito(a) tenha plena consciência de que a única pessoal que será penalizada legalmente por eventuais falhas será ele(a) mesmo, quem elaborou e acompanhou o projeto provavelmente não será responsabilizado solidariamente. E essa responsabilização vai desde aplicação de multas, solicitação de devolução integral e corrigida dos recursos, até casos de detenção! Então, fiquem atentos a esses profissionais!
Ainda sobre os desastres na elaboração de projetos, sugiro que as pessoas que atuam na área leiam os relatórios da CGU, bem como os Acórdãos do TCU, que são verdadeiras aulas do que pode e do que não pode ser feito! E principalmente, trazem situações inusitadas que não acreditamos ser possível ocorrer em um projeto, mas acabam por acontecer. Nada como aprender com as falhas alheias!
Para acessar os relatórios da CGU acesse o link:

Selecione como linha de atuação: Avaliação da execução de programas de governo/Relatório de fiscalização em municípios. Aqui exponho 05 relatórios aleatoriamente escolhidos, apenas para que tenham noção do nível de detalhamento em que os mesmos são elaborados.

A) APONTAMENTOS do relatório feito no Município de Nossa Senhora do Livramento/MT:
1. Com relação ao cumprimento da Lei nº 9.452/97, a Prefeitura Municipal, por meio do Ofício GP nº 207, de 14 de agosto de 2015, informou que não notifica os partidos políticos;
2. Na área da Saúde, a fiscalização identificou: que houve transferências indevidas de recursos da conta específica da Atenção Básica para contas da Prefeitura, situação que impossibilitou o reconhecimento do nexo de causalidade entre as ações executadas no âmbito da Atenção Básica e os recursos federais transferidos ao Município;
3. Que os recursos da Atenção Básica não são geridos exclusivamente pela Secretaria Municipal de Saúde;
4. Que a contrapartida Estadual do Componente Básico da Assistência Farmacêutica não está respeitando a pactuação tripartite;
5. Que a obra para implantação do sistema de esgotamento sanitário no Município (objeto do Convênio Funasa nº 034/2009) está paralisada e com parte dos serviços executados deteriorando-se por falta de uso e de conservação adequada; execução da obra para implantação do sistema de tratamento de esgoto com sobrepreço, acarretando superfaturamento e o consequente prejuízo no montante de R$ 83.200,43.
6. Na área da Educação, a fiscalização identificou: inadequações estruturais nas escolas;
7. inexistência de profissional nutricionista vinculado à Entidade Executora para o exercício das ações do PNAE.
8. Na área do Desenvolvimento Social, a fiscalização identificou: estrutura do espaço físico inadequada para a quantidade de atendimento dos usuários do SCFV;
9. Uso indevido de dispensa de licitação para a contratação de pessoal para atender as necessidades do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos.
10. Ausência de detalhamento da composição do BDI nos orçamentos estimativos das obras para a implantação do sistema de tratamento de esgoto objeto da Concorrência nº 001/2010, assim como na proposta da empresa contratada.
11. Utilização de mesmo BDI para aquisição de materiais e equipamentos.
12. Execução da obra em desacordo com o cronograma físico-financeiro estabelecido no edital e na proposta da empresa.
13. Exigências restritivas ao caráter competitivo da licitação no edital da Concorrência Pública nº 001/2010.
14. Cobrança de taxa de aquisição de edital, no valor de R$ 500,00, superior ao custo efetivo de reprodução gráfica.
15. Vedação em edital de licitação de participação de consórcios sem a devida motivação.
16. Falhas na elaboração do edital da Concorrência Pública nº 001/2010, em especial a falta de definição de critério de aceitabilidade de preços unitários.
17. Ausência de publicação do aviso do edital da Concorrência nº 001/2010 em jornal de grande circulação.
18. Ausência de parecer da assessoria jurídica da administração relativamente à minuta do edital da licitação e à minuta do contrato.
19. Falta de orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários.
20. Ausência de cláusula obrigando o contratado a manter todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.
21. Ausência de comprovação da publicação resumida do contrato e seus respectivos aditamentos na imprensa oficial.
22. Pagamento antecipado no montante de R$ 200.000,00.
23. Fragilidades nos controles internos relativos à gestão de transferências voluntárias.
24. Deficiências na formalização dos procedimentos (manuais e/ou rotinas).
25. Deficiências nos controles gerenciais/acompanhamento das atividades.

Nossa, chega! Eu estava disposta a elencar resumidamente os apontamentos feitos pela CGU em 05 Prefeituras, mas depois desta listinha aí em cima de um só município de pequeno porte, desisto! Mas caso queiram analisar e estudar as falhas apontadas pela CGU com maior detalhamento basta acessarem os links abaixo.

Alguns desastre na elaboração e execução de projetos:

4 comentários:

  1. Parabéns Milene pela sua colocação em relação as dificuldades nesta atividade aprendidas com a experiência que adquiriu ao longo de anos. Bem, para definir tudo isso eu gostaria de compartilhar uma palavra que aprendi desde o momento que comecei a atuar nesta área, é "resiliência". Destaco aqui os curtos prazos para atendimento das diligência relacionados aos projetos, bem como a burocracia que o Governo Federal apresenta para que um Convênio, Contrato de Repasse ou qualquer proposta com outra denominação, venha a ser aprovada. Claro que varia de Ministério para Ministério. Ah e mesmo com a criação do Siconv existe ainda grande resistência por parte desses Orgãos para utiliza-lo, além de que, cada um cria uma legislação própria para regularizar, acompanhar e fiscalizar esses projetos.

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    1. Obrigada Priscylla!...e resiliência realmente é fundamental nesta área!

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  2. Parabéns mesmo, você tem a capacidade de tornar o complexo compreensível.

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